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sábado, 5 de junho de 2010

A Hidra paquistanesa

O Paquistão se localiza em uma área absolutamente estratégica, fazendo fronteira com o Irã, a Índia, a China e o Afeganistão. Inegável a importância político-econômica que Índia e China possuem atualmente. Inegável que o Irã, por suas jazidas monumentais de petróleo e sendo o único país do mundo com um governo Xiíta, cause comoção no mundo por qualquer atitude que tome. Inegável que o Afeganistão, encravado entre o Oriente Médio, o sul da Ásia e a Ásia Central, é motivo de interesse de quem aspira controlar a Grande Ásia.

Com cerca de 170 milhões de habitantes o Paquistão é o sexto país do mundo em população, embora sua área seja reduzida (881 mil km²). Quase cem por cento de sua população professa o Islamismo o que faz dele o segundo do mundo, perdendo apenas para a Indonésia. Outro aspecto importante a ressaltar é a multiplicidade de etnias que o compõem (panjabes, pashtus, sindis, seraikis, muhajires etc), além dos inúmeros grupos religiosos islâmicos. Somente estas poucas informações já seriam suficientes para se ter uma noção da diversidade, do mosaico que é o Paquistão. Há muito mais.

Quando a Índia anunciou possuir a bomba atômica em 1974, o Paquistão decidiu envidar todos os seus esforços para também se tornar uma potência nuclear. Neste sentido o momento de maior tensão entre os dois países ocorreu em maio de 1998 quando, provocativamente o governo ultranacionalista indiano realizou testes nucleares, levando o Paquistão a retaliar, fazendo o mesmo. Diante do temor de uma guerra nuclear o mundo instou os dois países a entrarem em acordo sobre o assunto, o que ocorreu em fevereiro de 1999, através do Memorando Lahore, segundo o qual se comprometiam a notificar-se com antecedência antes de novos testes nucleares.

Durante todo o período da Guerra Fria o Paquistão manteve uma aliança com os Estados Unidos, sendo bastante beneficiado pela superpotência, inclusive com o fornecimento de armas para as contendas com a Índia. Perdeu espaço com a potência quando se aliou ao Talibã no final dos anos 90, embora saibamos que os Talibãs só chegaram ao poder no Afeganistão graças à ajuda dos EUA. O problema é que, no poder, este grupo islâmico radical (sunita) se voltou contra os Estados Unidos.

O Paquistão só abandonaria os Talibãs após o 11 de setembro de 2001, devido às pressões dos EUA. Em função disso o território paquistanês tornou-se base de inúmeras operações do exército estadunidense contra a resistência afegã.

Porém os problemas começam aí. Parte significativa do exército do Paquistão não aceitou voltar-se contra os Talibãs, o que redundou em guarida no território paquistanês para muitos soldados talibãs e, possivelmente, para Osama Bin Laden enquanto os EUA o perseguiam no Afeganistão. Isto ocorreu pois há facções islâmicas dentro do exército paquistanês que odeiam os Estados Unidos. E aí está a origem dos problemas atuais do governo moderado paquistanês.

Muitos analistas internacionais acreditam que o Paquistão é o maior centro mundial de treinamento de terroristas no momento, devido à radicalização ocorrida nos últimos anos. Radicalização esta decorrente também do fato de que em 2006 o governo Bush assinou um acordo de cooperação nuclear com a arquiinimiga Índia, transformando-a em importante aliado na região. Em função disso, os campos de treinamento dos Talibãs dentro do Paquistão se ampliaram consideravelmente até chegar ao ponto de cidades inteiras terem sido tomadas.

As diversas milícias islâmicas que pululam no Paquistão não se dobram ao governo central, tem o apoio de importantes setores do exército e do próprio governo e odeiam profundamente os Estados Unidos. Além disso, a questão da Cachemira continua sem solução, constituindo-se em ponto de atrito importante com a Índia.

Importantíssimo finalizar falando do LeT, Lashkar-e-Taiba (Exército dos Puros), que teoricamente é o grupo radical defensor da integração total da Cachemira ao Paquistão. Ocorre que o LeT não se limita a atuar nesta questão. Sua ideologia é muito mais ampla pois defende a imposição de uma grande nação islâmica, tem total apoio dentro do Paquistão e vem ampliando suas bases de treinamento, bem como sua influência no mundo islâmico. Lutaram contra os soviéticos no Afeganistão, odeiam os Estados Unidos e foram os responsáveis pelo coordenadíssimo e inteligente ataque à cidade de Mumbai, na Índia em dezembro de 2008, além de terem usado armamento de última geração deixando 173 mortos e 308 feridos.

O que está bastante claro é que o Paquistão é o caldeirão mais fervente do radicalismo islâmico internacional. Tal como a Hidra de Lerna da mitologia grega, cujas cabeças regeneravam ao serem cortadas, os grupos radicais islâmicos se reproduzem com enorme facilidade no Paquistão de hoje. Infelizmente ainda não foi dada a devida atenção por parte do mundo a este problema -parece que não há nenhum Hércules disponível-, o que significa que muita coisa ainda vai piorar no cenário internacional nos próximos anos.