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domingo, 28 de março de 2010

Capitalismo financeiro e a necessidade dos Paraísos Fiscais

Marcio Azevedo

A terceira fase do Capitalismo financeiro consagrou a especulação como fator fundamental de acumulação de capital. Ao longo das últimas décadas as políticas de regulação dos mercados financeiros foram sendo desmontadas visando facilitar o livre fluxo de capitais por todos os mercados. Estes capitais ganharam apelidos como smart money ou hot money, dada a rapidez com que se movimentam, em busca das melhores oportunidades de ganhos. Os defensores desse modelo afirmam que aí está a essência do Capitalismo, que é natural a busca de ganhos crescentes, que os mais ousados e capazes são os que mais lucram e, rebatendo seus críticos, que num mundo competitivo os que ficam para trás não souberam se posicionar nem obter ativos, não havendo necessidade de lamentações nem de programas sociais piedosos para os não capazes. Além disso, afirmam peremptoriamente que não precisam do Estado e que este deveria apenas ater-se a obrigações mínimas e assistir passivamente o “esplendor da ação capitalista”. A postura desses liberais é, sem dúvida alguma, o mais puro DARWINISMO SOCIAL. Por isto os críticos dessa posição afirmam que ela está marcada pelo signo da hipocrisia, visto que se recusa a reconhecer que não existe riqueza para todos, que o capital rentista nada gera em termos produtivos para a sociedade e que eles, os liberais, precisam sim, e muito do Estado para colocar em prática suas propostas, evitar convulsões sociais através da ação coercitiva e salvá-los quando as crises causadas por sua irresponsabilidade e excessiva ganância assolam o mundo todo.

Toda esta introdução sobre a financeirização do capital foi necessária para possibilitar compreensão adequada sobre o fenômeno dos PARAÍSOS FISCAIS. Há inúmeras definições sobre paraísos fiscais. De forma simples podemos dizer que são regiões ou países em que não há controle sobre a entrada ou saída de capitais e a cobrança de impostos é reduzida ou inexistente. Além disso, nestes territórios é preciso haver estabilidade política para garantir a segurança jurídica necessária aos depositantes, pois não pode haver nenhum risco de confisco do dinheiro. Outras características são: ausência de controles cambiais; tratamento igualitário para nativos e estrangeiros, pois não pode haver nenhum impedimento para a realização de investimentos externos; e confidencialidade e sigilo bancário. O objetivo dos gestores desses locais é facilitar a entrada de muitos recursos em seus territórios, que em parte serão utilizados por eles para suprir suas necessidades internas. Ou seja, é uma relação de protocooperação, para utilizar um termo da Biologia. E o interessante neste processo é que os paraísos fiscais costumam apresentar uma estabilidade econômica espantosa. Como? Bem, nos momentos de expansão econômica uma enormidade de recursos de pessoas físicas e jurídicas é carreado para estas regiões. Da mesma forma, nos momentos de crise e instabilidades, buscando proteger seus recursos, os mesmos atores transferem somas elevadas para estes paraísos. Nota-se então, que as crises costumam passar ao largo dos paraísos fiscais, sendo esta uma razão muito importante para sua existência e continuidade.

A existência destes centros offshore, como também são chamados, não seria um problema se eles não tivessem se tornado grandes sorvedouros de dinheiro ganho ilicitamente ou destino de recursos evadidos de outros países por conta do descaminho fiscal (para não pagar impostos o detentor do dinheiro o retira do país, reduzindo a arrecadação e prejudicando a sociedade).

A Suíça é o caso mais conhecido de paraíso fiscal, sendo um dos mais antigos países a garantir sigilo bancário absoluto de suas famosas contas numeradas. Em função disso o país durante muito tempo foi o destino principal de imensa quantidade de recursos oriundos de fraudes e crimes. Nos anos 70, o sociólogo suíço Jean Ziegler publicou o livro "A Suíça Lava Mais Branco", um libelo contra a criminalidade acobertada pelo sistema financeiro de seu país. Foi uma das primeiras publicações que questionavam o papel internacional dos centros offshore. E, a sempre discreta Suíça voltou a ficar em evidência negativa quando em 1997 veio à tona “o escândalo da descoberta de contas inativas de judeus vítimas do nazismo. Na mesma época, confirmou-se que, entre 1940 e 1945, os bancos suíços haviam lavado, trocando por francos conversíveis, 75% do ouro saqueado por Adolf Hitler das reservas dos países europeus ocupados, além das jóias dos detidos e mortos em campos de concentração, roubadas e fundidas” (Claudia Antunes - FSP, 30/08/2001). Por causa destes e outros escândalos, como foi o caso da descoberta da conta secreta de Paulo Maluf no Citibank de Genebra ou da descoberta das contas secretas dos ditadores Sani Abacha (Nigéria) e Mobutu Sese Zeko (R.D. Congo, ex-Zaire), nos últimos anos o país tem buscado cooperar mais com autoridades fiscais de outros países e monitorar os capitais que ali buscam refúgio. Ainda assim, não se pode menosprezar o papel da Suíça na defesa dos seus interesses e daqueles que ali escondem capitais. Como afirma Jean Ziegler "para ter uma idéia, dos cerca de US$ 3 bilhões depositados por Sani Abacha, pouco mais de US$ 500 mil foram encontrados e bloqueados".

Embora se mantenha como referência a Suíça perdeu muito do seu “glamour” como destino dos capitais ilícitos. Proliferaram nas últimas décadas os centros offshore por todos os continentes, oferecendo sempre mais vantagens aos “poupadores”. Alguns artigos sobre o assunto apontam a existência de 58 e outros de 69 paraísos fiscais espalhados pelo mundo. A maioria absoluta são ilhas.

Os usos ilegais mais comuns para os paraísos fiscais são:

1- Lavagem de dinheiro (capitais obtidos de forma ilícita são preparados para entrar no circuito econômico legal);
2- Fraudes financeiras e comerciais (desvio de dinheiro de empresas e de governos);
3- Instituições fantasmas (bancos que utilizam nomes parecidos com os de grandes instituições internacionais, mas que nada tem a ver com essas instituições);
4- Abrigo para capitais usados com finalidades criminosas (como os capitais obtidos por narcotraficantes, grupos mafiosos, terroristas ou outros criminosos).

Nos últimos anos alguns países, como é o caso do Brasil, vem defendendo mais controle dos paraísos fiscais pela comunidade internacional (até porque cerca de 70% do dinheiro que sai do país tem como destino ou ponto de passagem algum paraíso fiscal). No início de abril de 2009, em Londres, na reunião do G20, Grupo dos 20 países mais ricos do mundo, o tema foi um dos destaques. Os líderes do grupo querem maior transparência no sistema financeiro internacional e concordaram, inclusive, em aplicar sanções contra os países que se negarem a reformular sua legislação bancária. Ainda assim é preciso não se deixar enganar por este discurso. Num momento de crise cada centavo a mais nas contas governamentais tem grande importância. Como afirma o economista Otto Nogami, do Ibmec-SP, "os paraísos fiscais são estacionamentos de baixo custo para o capital. Restringi-los poderá fazer com que esse dinheiro se desloque para setores produtivos", além de possibilitar aumento da arrecadação fiscal. O governo dos Estados Unidos afirma que perde cerca de US$ 100 bilhões por ano em arrecadação por causa dos paraísos fiscais. E segundo estudiosos da questão há mais de 3 trilhões de dólares depositados em contas offshore no mundo.

É muito importante, para finalizar, deixar claro que não é do real interesse do Capitalismo internacional acabar com os paraísos fiscais. Desde 1989, quando da reunião de cúpula do G7 em Paris, foram iniciadas “campanhas” contra a lavagem de dinheiro sujo e a corrupção. E até agora o que se viu foi a inocuidade total de tais campanhas, pois não há real intenção de desmobilizar os paraísos fiscais. Ao contrário, governos, transnacionais e organizações criminosas associam-se para preservar seus negócios, seus lucros e manter ativos os centros offshore, um refúgio seguro contra qualquer turbulência. Além do mais parte significativa do dinheiro depositado nestes territórios entra no mercado especulativo global através da rede SWIFT, [rede de telecomunicações financeiras mundiais interbancárias que reúne cerca de 4 mil bancos em uma centena de países e assegura dois milhões de transferências codificadas por dia] ou do sistema CHIPS [câmaras de compensação dos sistemas de pagamento interbancários, que operam a cada dia cerca de 1 trilhão de dólares de movimentação de fundos], facilitando a lavagem do dinheiro através da movimentação do mesmo por dezenas de países em poucos dias e contribuindo para aumentar os lucros de todos os que participam dos mercados especulativos. Outra parcela significativa destes capitais financia ações clandestinas de organizações como a CIA e o FBI, só para ficar nos dois mais “famosos”. Da mesma forma, parte destes recursos financia conflitos em dezenas de países, alimentando a expansão das indústrias de armamentos e colaborando com o mercado de trabalho e a economia dos países que mais vendem material bélico no mundo (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia, etc.).

Em artigo no Le Monde Diplomatique de 12/04/2000, Chistian de Brie afirmava com propriedade “(...) ora, 95% dos paraísos fiscais são antigas sedes de balcões de negócios ou colônias britânicas, francesas, espanholas, holandesas, norte-americanas que permaneceram dependentes das potências tutelares e cuja soberania fictícia serve de tapa-buraco para uma criminalidade financeira”. Portanto, fica bastante claro que se houvesse real interesse das potências capitalistas em erradicar do mundo os paraísos fiscais isto seria feito num “piscar de olhos”. Mas a utilidade deles para o sistema capitalista é grande demais, razão pela qual continuarão a exercer seu papel predador e criminoso ainda por muito tempo.

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