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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Lula, o mundo e a mídia

EXCELENTE ESTE ARTIGO DO BETO ALMEIDA. LEIAM COM ATENÇÃO.

Beto Almeida

"O mundo me condena
e ninguém tem pena
falando sempre mal do meu nome
deixando de saber,
se eu vou morrer de sede
ou se eu vou morrer de fome!"
"Filosofia", Noel Rosa

Fortes e originais declarações de Lula sobre questões espinhosas e complexas do cenário internacional provocam boa oportunidade para nova avaliação sobre a ausência de sintonia entre o eco internacional positivo das falas presidenciais e o tratamento editorial negativo que a mídia nacional lhe atribui, quase por unanimidade.

Primeiro, há que reconhecer: Lula tem tido a audácia de tocar em temas considerados intocáveis como, por exemplo, ao questionar e criticar a reserva de mercado de fato de um clube restrito de países atômicos que pretende impor o desarmamento aos demais países. E, quando algum destes países periféricos reivindica o direito natural e histórico à isonomia de também possuir tecnologia nuclear é logo condenado como se seus objetivos fossem inquestionavelmente terroristas. E são logo colocados no “Eixo do Mal” criado pelo belicoso George Bush.

Já sabemos que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram usados como um pretexto pelo mais intervencionista dos países para interferir ainda mais truculenta em cada canto do planeta onde conseguisse. Aliás, recomenda-se a leitura do site “Cientistas pela Verdade”, no qual a versão oficial é questionada com consistência. Após surgir a categoria do “Eixo do Mal”, vem o golpe midiático fracassado contra Chávez com apoio dos EUA, as prisões clandestinas de “suspeitos” em vários países seqüestrados em vôos clandestinos que usaram bases militares de países europeus que se autodenominam democráticos. Surgiu também a campanha contra as “armas químicas de destruição em massa no Iraque” que , com o apoio midiático internacional dos que controlam o fluxo da informação planetária, resultou na invasão sanguinária àquele país do Oriente Médio. As tropas de ocupação ainda lá estão sem que o Obama, agora Prêmio Nobel da Paz, tenha conseguido fazer com que seu discurso de mudanças tenha tradução verdadeira em atos de sua política externa, que é quase sempre militar, sendo sempre intervencionista.

Eixo do Mal: dirigismo ideológico
Na cabeça de Bush - não mencionamos cérebro - o Eixo do Mal era composto por Iraque, Coréia do Norte, Irã, Cuba e provavelmente a Venezuela. Cuba continua bloqueada, mas, mesmo assim, exporta médicos, professores, vacinas, remédios, livros, desportistas, para mais de 70 países. Os EUA, e os “democráticos” países europeus da OTAN, vão exportando militares, armas, inclusive, obviamente as de destruição em massa. O presidente do Timor Leste, jornalista e poeta Ramos-Horta, me informou que os EUA pressionaram-no para que não recebesse os 350 médicos cubanos que lá estão reconstruindo a nação timorense do mais cruel genocídio da era moderna, proporcionalmente falando. Ramos apenas perguntou ao embaixador norte-americano: “quantos médicos os EUA têm aqui em Timor?” Nenhum! Pois estão lá os 350 médicos cubanos e 600 jovens timorenses estudando medicina em Cuba, gratuitamente!

Ao defender Cuba, ampliando as relações Brasil-Cuba, condenando o bloqueio imposto à Ilha e ao quebrá-lo na prática quando instala empresas estatais brasileiras na Ilha, como a Embrapa, a Petrobrás, etc, Lula vai fazendo sua política na contracorrente da política intervencionista do Eixo do Mal. Como complemento, quando os jovens timorenses se formarem em medicina, antes de voltarem à Ásia, farão estágio na Fiocruz no Brasil, como reza o acordo que Lula firmou com Ramos-Horta

Coréia do Norte está lá de pé porque tem armas atômicas, senão seu destino poderia ter sido o do Iraque. E isto tem que ficar muito claro e ser lembrado todos os dias por todos os brasileiros, dos seringueiros aos militares, dos cientistas aos cineastas, dos religiosos aos carnavalescos. Basta mencionar que um suposto relatório da CIA, divulgado pelo extinto jornal Tribuna da Imprensa, dava conta da vulnerabilidade das torres petroleiras da Petrobrás a ataques terroristas. Lula mandou embaixador para a Coréia do Norte, Arnaldo Carilho, que é também grande pensador do cinema, da brasilidade e da soberania informativo-cultural brasileiras. Lula, outra vez, atuou com independência na contracorrente da linha Eixo do Mal, que tem sua vertente midiática.

Hipocrisia editorial
Recentemente, registrou-se a campanha midiática para que Lula não recebesse o presidente iraniano Mahmud Ahjmadinejad. Para este jornalismo, é como se o Brasil não tivesse direito de ter posições independentes e soberanas em política externa. Este mesmo jornalismo calou-se quando o então chanceler brasileiro da era da privataria obedeceu um guardinha de alfândega nos EUA que lhe obrigou a tirar os sapatos para entrar naquele país. O chanceler assumiu ali sua vocação para vassalagem.... Esta política externa de pés descalços foi arquivada por Lula. Junto com ela o projeto da ALCA, a terceirização/alienação da Base de Alcântara e outras.

Quando Lula não apenas discordou da mandatária alemã Ângela Merkel e também disse que as potências atômicas não têm moral para exigir que o Irã não tenha direito ao seu programa nuclear, percebemos novamente como opera a linha editorial subproduto do princípio ideológico do “Eixo do Mal”. Lula estaria, segundo ela, defendendo um país que apoiaria o terrorismo do Hamas e do Hezbolah. Não há o menor esforço para informar, nem internacionalmente, nem aqui, que o Hamas é um partido político eleito pelo voto direto da população palestina que habita a Faixa de Gaza para o exercício do governo. E como todo governo, tem o direito de ter armas, política de defesa. Israel não tem suas armas atômicas?

Sem informação, como julgar?
Não há também a menor vontade de informar que o Hezbolah é um movimento político, que tem praticamente a metade do Parlamento do Líbano, que tem cargos no governo libanês, administrando boa parte da política de saúde e de educação daquele país de preciosa presença na formação do nosso povo. É apenas por ser parte do estado no Líbano que se pode entender como o Hezbolah resistiu e impôs uma verdadeira derrota às agressões de Israel há alguns anos, após o que, pelo voto direto, ampliou sua participação na administração pública libanesa. Vale registrar que a TV do Hezbolah resistiu por várias semanas a terríveis bombardeios israelenses sem sequer sair do ar. Segundo escassas informações, a emissora teve seus transmissores instalados em vários lugares, subterrâneos, exatamente para resistir aos bombardeios. Trata-se de emissora de TV que pode ser sintonizada em todo o mundo árabe e também na Europa. Talvez isto sirva de estímulo para a TV Brasil vencer todos os obstáculos que ainda a impedem ter visibilidade em todo o território nacional, e também internacionalmente, já que o Brasil pretende, legitimamente, ser protagonista de primeira linha no complexo cenário internacional. Para isto já aposentou corretamente a vassalagem da política de externa de “pés descalços” e , com a criação da TV Brasil, pode construir também uma política de comunicação internacional, aliás como já anunciado. Só lembrando, na Era Vargas, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro era a quarta mais potente emissora do planeta, captada em todos os continentes, transmitindo em 4 idiomas......

Seria muito útil que a TV Brasil informasse ampla e profundamente sobre o que ocorre na Palestina, sob todos os ângulos, e também sobre o que é o Hamas, o que é o Hezbolah, como é o Líbano hoje em cuja configuração de poder político tem a presença, pelo voto direto popular, do Hezbolah. Da outra mídia, que tenta desqualificar a política externa praticada por Lula, e que tenta insinuar que Brasil está estabelecendo cooperação mais ampla com um país (Irã) que “apoiaria o terrorismo”, não podemos esperar informações objetivas e verazes sobre estes processos. Afinal, trata-se de uma mídia que segue o manual de jornalismo do “Eixo do Mal” e condena tudo o que questione esta linha, como agora critica Lula por sua audaciosa posição contra os privilégios dos países atômicos que querem manter os outros desarmados.....Tudo isto tem tradução no jornalismo. Ou seja, Lula tem sido singular construtor de pautas para um jornalismo independente. É preciso aproveitá-las com criatividade e originalidade. Ter a audácia, como Lula o faz em política internacional, de discordar da linha editorial convencional sobre temas tão complexos.

Honduras: a isca ideológica do golpismo
No golpe de Honduras a posição valente da política externa brasileira confrontou-se com a linha editorial praticante do “dirigismo de mercado” que, por não admitir em nenhuma hipótese que aquele país centro-americano desenvolvesse cooperação nas áreas de saúde e educação com Cuba, nas áreas agrícola e energética com a Venezuela, optou pela defesa do golpe. Esta mídia engoliu com prazer a isca ideológica do golpismo, segundo a qual, Zelaya é que era o golpista porque queria sua própria reeleição. Mas, este item sequer constava da consulta popular que seria submetida ao povo hondurenho quando o golpe foi dado. Mas, constava da consulta a destinação da base militar norte-americana no país.......

Tal como na invasão do Iraque, quando a isca ideológica era “as armas de destruição em massa”, no caso de Honduras, o Zelaya é que foi transformado em golpista. O New York Times já pediu desculpas seus leitores por ter difundido a mentira das “armas de destruição em massa”, afinal, jamais encontradas. A não ser nas mãos das tropas da OTAN que contaminaram a Yugoslávia e o Iraque com bombas de urânio empobrecido.

Uma vez mais, Lula foi por um lado, “não converso com golpista” , declarou, e a linha editorial da mídia nacional foi na conversa do Partido Pentágono Republicano que impõe seu dirigismo em nome das encomendas da indústria bélica. A solução para estes desencontros é mais informação, mais pluralidade. Por exemplo: com a ajuda da PDVSA, petroleira estatal Venezuela, Zelaya trocou todas as lâmpadas de todas as residências de Honduras por lâmpadas chinesas, que gastam 70 por cento menos de energia. E Honduras tem escassez energética, depende de termoelétricas, celebrou acordo sobre biocombustíveis com o Brasil. Não fica mais claro compreender o porquê do golpe contra Zelaya? E quando será informado que houve descoberta de petróleo na costa hondurenha?

Venezuela: excesso de democracia
No caso venezuelano há fartos exemplos de desinformação e manipulação por parte desta mídia. Chega até a por em dúvida se houve de fato golpe de estado. Aqui no Brasil, a mídia que apoiou o golpe de 1964 também disse que houve “revolução” porque havia vacância de poder. Na Venezuela o presidente da república foi seqüestrado e a mídia mentiu dizendo que ele havia renunciado.

Mas, concentremo-nos no total desencontro das posições de Lula contra esta mídia que segue editorialmente o Partido Republicano-Pentágono, ou os princípios filosóficos editoriais do Eixo do Mal.

Enquanto toda esta mídia afirma que há ditadura na Venezuela, Lula afirma que “na Venezuela há democracia em excesso”. Em 10 anos, foram realizadas 15 eleições, referendos, constituinte, plebiscitos, dois quais Chávez venceu 14 e respeitou o resultado quando foi derrotado. Este desencontro total alcança até mesmo a linha editorial do Observatório da Imprensa na TV, que nos dois programas especiais sobre a Pátria de Bolívar afirmou que lá há ataque à mídia independente. Registre-se que foram considerados “mídia independente” veículos que compõem o Grupo de Diários da América, jornalões vinculados à SIP – Sociedade Interamericana de Prensa , entidade fundada pela Cia no pós-guerra e que sustentou todos os golpes militares na América Latina, seja o golpe contra Perón, contra Jango, contra Allende, tendo apoiado as mais sanguinárias ditaduras da região. Esta mídia atua livremente na Venezuela, ofende e insulta o presidente Hugo Chávez seja por ser negro ou por ser descendente de índio. Assim como esta mesma mídia chama o presidente Evo Moralez de “narcotraficante”, chama a Chávez de “negro doido”, “selvagem”,”psicopata”, “bêbado”.

Detalhe interessante, não ressaltado no programa televisivo citado: não há jornalistas presos na Venezuela, nenhum jornalista foi assassinado, nem torturado, como ocorre agora mesmo na Colômbia, no México, no Peru, em Honduras de Michelleti. Outra informação interessante: o maior jornal da Venezuela, o Nacional, vendia 400 mil exemplares quando Chávez foi eleito, em 1998. Hoje, após dez anos depois de oposicionismo anti-chavista, vende apenas 40 mil exemplares. A Folha de São Paulo, que já imprimiu 1 milhão e hoje caiu para uma tiragem 3 vezes menor, e com uma vendagem de bancas em torno de 30 mil exemplares apenas, deve estar fazendo suas contas. Mas, mesmo assim, tem a petulância de defender o fechamento da TV Brasil, a única emissora que cumpre integralmente o capítulo da Comunicação Social da Constituição, com uma programação cidadã, plural, diversificada, regionalizada, educativa e humanizadora para o público infantil, respeitosa para com a cultura nacional, do samba ao cinema. Falta o futebol , né?

Independente de quem?
Sobre o grupo empresarial que perdeu a concessão da Rádio e TV Caracas, é preciso informar que a concessão, como ocorre em qualquer país, tem prazo limitado por lei e este prazo terminou. Aqui no Brasil as concessões de rádio e TV de grupos poderosos são renovadas automaticamente. Na prática, adquirem caráter de vitaliciedade. Chávez quebrou um tabu ao não renovar a concessão para o mesmo grupo empresarial, exercendo sua prerrogativa presidencial, prevista em lei, como na maioria dos países do mundo. Mas aquela TV continua operando no cabo, não foi fechada. Isto não foi informado. Não teve a concessão renovada porque o espectro radioelétrico é propriedade do povo venezuelano, não é propriedade privada. Nos EUA centenas de concessões foram revogadas desde meados do século passado. Na França, o presidente Chirac também não renovou concessões. Na Inglaterra de Tatcher, idem. Por que será que contra estes países não houve a escandalosa campanha midiática mundial que se fez contra Chávez?

Estes desencontros entre as posições fortes, destemidas e originais de Lula em política internacional e a linha editorial conservadora, submissa e de ideologia dependente da mídia nacional deveriam merecer um bom debate. Mas, era importante que este debate fosse para as telas da TV e para as ondas do Rádio já que nossa mídia impressa além de ser fechada ao tema, registra taxas indigentes de leitura de jornal e revista. Assim, só mesmo as emissoras do campo público da comunicação, a começar pelos veículos da EBC, as TVs educativas, as legislativas, as universitárias e as comunitárias podem de fato abrir-se democraticamente a este debate e dar-lhe caráter amplo e plural que merece. E é exatamente por isso que são tão justas e tão necessárias as propostas de fortalecimento, expansão e qualificação de todas as modalidades da comunicação pública. É por isso mesmo que elas precisam ser aprovadas nesta primeira Conferência Nacional de Comunicação, a ter início no dia 14 de dezembro. Sendo emblemático que ela tenha a presença de Lula na abertura.

Beto Almeida é Presidente da TV Cidade Livre de Brasília

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Paradoxos das Migrações na Europa

OBS.: ALUNOS DO 3ºANO DO EQUIPE QUE ESTEJAM EM RECUPERAÇÃO DEVEM LER COM ATENÇÃO ESTE TEXTO.

Catherine de Wenden, jurista e politóloga, directora de investigação no CERI (CNRS-Sciences Po) responde a questões sobre o fenómeno migratório na Europa, numa entrevista à Nouvelle Europe.

O que é que está em causa no fenómeno das migrações na Europa?

Antes de mais, é preciso dar ênfase às lacunas de mão-de-obra em certos sectores, sem esquecer a situação demográfica de um continente envelhecido. Devemos então mencionar a necessidade da Europa se posicionar no âmbito da competição mundial para a produção de conhecimento, atraindo os mais criativos.

Perante isto, é necessário opor o fechamento deste espaço comum que dura há trinta anos. São estes os elementos de base de um paradoxo migratório europeu. A partir de meados dos anos 70, países como a França ou a Alemanha fecharam-se à imigração de trabalho e familiar. Isto teve como resultado dois fenómenos principais: a sedentarização do trabalho e a questão dos indocumentados. Mais tarde, constatamos uma maior fluidez migratória com o Leste do continente do que com o Sul, tornando-se o Mediterrâneo uma espécie de obstáculo.

Qual é a sua posição relativamente às políticas comunitárias sobre esta matéria?

O problema reside no próprio sentido. Tomando como exemplo o Pacto sobre a Imigração: dois quintos das cláusulas destinam-se à luta contra os fluxos, contra a imigração clandestina e ao controlo das fronteiras ou pontos de entrada. No entanto, o próprio projecto Euromed da presidência francesa não mencionava sequer a questão migratória! Os parágrafos sobre “a fluidez de trocas” não referiam os Vistos...

Encontramos os princípios do paradoxo enunciados logo de início. Na realidade, a Europa parece conferir aos países do Sul do Mediterrâneo um papel de guarda-fronteiriço, como testemunham os diferentes episódios relativos às políticas de readmissão. Mas este também é o caso para os vizinhos a Leste. A Ucrânia pode ser uma ilustração deste processo, já que se tornou um ponto de passagem. Além das pessoas que tentam entrar na UE por esta via (migrantes de proveniências variadas: África, Médio-Oriente, Ásia Menor…) assistimos hoje a Migrações Pendulares de uma e outra parte da fronteira, como é o caso da Polónia. A mobilidade tornou-se um modo de vida, nomeadamente no plano profissional (trabalhos pouco qualificados, serviços, mas também comércio…).

Para apreender o fenómeno migratório, utilizamos frequentemente tipologias: “Migração Voluntária” ou “Forçada”, motivações políticas, motivações económicas… Esta visão parece-lhe pertinente?

Estas categorias são evidentemente enganosas. Estas qualificações simplificam a realidade ou deformam-na. São herdeiras da Convenção de Genebra (1951) que distinguia refugiados políticos ou dissidentes (da Europa de Leste, por exemplo) dos migrantes económicos. O exemplo das restrições francesas ao reagrupamento familiar retrata-o. Pensamos poder distinguir os migrantes de trabalho, stricto sensu, mas os migrantes vêm trabalhar e procuram instalar-se em família. Mal chegam, vão procurar trabalho, na maioria das vezes ainda com filhos muito novos. Os requerentes de asilo vêm igualmente à procura de emprego.

Uma distinção esclarecedora será antes aquela que encare primeiro a temporalidade da migração: de longa ou curta duração. Mas hoje todas as idades estão implicadas. Encontramos menores isolados, raparigas jovens que foram procurar trabalho temporário a Itália mas que acabam por se instalar e casar nas regiões rurais, estas vítimas de um certo êxodo rural feminino em direcção às cidades…

O que é que podemos então pensar dos relatórios que se debruçam sobre Migrações e Identidade na Europa?

Temos de ter em atenção que a Europa já se tinha apresentado como espaço de partida no século XIX, em direcção aos Estados Unidos ou à Argentina, por exemplo. Tornou-se deste modo um espaço de trânsito, antes através das cidades portuárias da costa atlântica. Mas hoje em dia a Europa está a exprimentar um novo momento histórico que a transformou numa terra de imigração, após o final da II Guerra Mundial.

Neste contexto, a importância numérica das migrações triplicou nos últimos quarenta anos, enquanto que as políticas sobre estas se têm tornado mais severas.. Isto resulta em duas fracturas, também elas pontos de passagem: as “fronteiras” meridionais e orientais da Europa-Schengen.

Assim quanto mais nos fechamos às vindas de populações do Sul ou do Leste, maior a distância entre esses “outros” espaços. Para a resolução do problema, perante os riscos de conflitos e tensões engendrados por um fechamento, as migrações apresentam-se enquanto um meio de ajustamento económico e cultural.

Por Adrien Fauve, adaptado de: http://www.metiseurope.eu/paradoxes-des-migrations-en-europe_fr_70_art_28280.html

domingo, 6 de dezembro de 2009

O debate da política externa: os conservadores

José Luís Fiori

“É desconfortável recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura, e firmamos na Constituição de 1988 os ideais de democracia e direitos humanos. Uma coisa são relações diplomáticas com ditaduras, outra é hospedar em casa os seus chefes”.

José Serra, “Visita indesejável”, FSP, 23/11/2009

Já faz tempo que a política internacional deixou de ser um campo exclusivo dos especialistas e dos diplomatas. Mas só recentemente, a política externa passou a ocupar um lugar central na vida pública e no debate intelectual brasileiro. E tudo indica que ela deverá se transformar num dos pontos fundamentais de clivagem, na disputa presidencial de 2010. É uma conseqüência natural da mudança da posição do Brasil, dentro do sistema internacional, que cria novas oportunidades e desafios cada vez maiores, exigindo uma grande capacidade de inovação política e diplomática dos seus governantes.

Neste novo contexto, o que chama a atenção do observador, é a pobreza das idéias e a mediocridade dos argumentos conservadores quando discutem o presente e o futuro da inserção internacional do Brasil. A cada dia aumenta o numero de diplomatas aposentados, iniciantes políticos e analistas que batem cabeça nos jornais e rádios, sem conseguir acertar o passo, nem definir uma posição comum sobre qualquer dos temas que compõem a atual agenda externa do país. Pode ser o caso do golpe militar em Honduras, ou da entrada da Venezuela no Mercosul; da posição do Brasil na reunião de Copenhague ou na Rodada de Doha; da recente visita do presidente do Irã, ou do acordo militar com a França; das relações com os Estados Unidos ou da criação e do futuro da UNASUL.

Em quase todos os casos, a posição dos analistas conservadores é passadista, formalista, e sem consistência interna. Além disto, seus posicionamentos são pontuais e desconexos, e em geral defendem princípios éticos de forma desigual e pouco equânime. Por exemplo, criticam o programa nuclear do Irã, e o seu desrespeito às decisões da comissão de energia atômica da ONU, mas não se posicionam frente ao mesmo comportamento de Israel e do Paquistão, que além do mais, são Estados que já possuem arsenais atômicos, que não assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas, e que tem governos sob forte influência de grupos religiosos igualmente fanáticos e expansivos.

Ainda na mesma linha, criticam o autoritarismo e o continuísmo “golpista” da Venezuela, Equador e Bolívia, mas não dizem o mesmo da Colômbia, ou de Honduras; criticam o desrespeito aos direitos humanos na China ou no Irã, e não costumam falar da Palestina, do Egito ou da Arábia Saudita, e assim por diante. Mas o que é mais grave, quando se trata de políticos e diplomatas, é o casuísmo das suas análises e dos seus julgamentos, e a ausência de uma visão estratégica e de longo prazo, para a política externa de um Estado que é hoje uma “potência emergente”.

Como explicar esta súbita indolência mental das forças conservadoras, no Brasil? Talvez, recorrendo à própria história das idéias e das posições dos governos brasileiros que mantiveram, desde a independência, uma posição político-ideológica e um alinhamento internacional muito claro e fácil de definir. Primeiro, com relação à liderança econômica e geopolítica da Inglaterra, no século XIX, e depois, no século XX - e em particular após à Segunda Guerra Mundial - com relação à tutela norte-americana, durante o período da Guerra Fria. O inimigo comum era claro, a complementaridade econômica era grande, e os Estados Unidos mantiveram com mão de ferro, a liderança ética e ideológica do “mundo livre”.

Depois do fim Guerra Fria, os governos que se seguiram adotaram as políticas neoliberais preconizadas pelos Estados Unidos e se mantiveram alinhados com a utopia “cosmopolita” do governo Clinton. A visão era idílica e parecia convincente: a globalização econômica e as forças de merca­do produziriam a homogeneização da riqueza e do desenvolvi­men­to, e estas mudanças econômicas contribuíram para o desaparecimento dos “egoísmos nacionais”, e para a construção de um governo democrático e global, responsável pela paz dos mercados e dos povos. Mas como é sabido, este sonho durou pouco, e a velha utopia liberal - ressuscitada nos anos 90 - perdeu força e voltou para a gaveta, junto com a política externa subserviente dos governos brasileiros, daquela década.

Depois de 2001, entretanto, o “idealismo cosmopolita” da era Clinton foi substituído pelo “messianismo quase religioso” da era Bush, que seguiu defendendo ainda por um tempo o projeto ALCA, que vinha da Administração Clinton. Mas depois da rejeição sul-americana do projeto, e depois da falência do Consenso de Washington e do fracasso da intervenção dos Estados Unidos a favor do golpe militar na Venezuela, de 2002, a política externa americana para a América do Sul ficou à deriva, e os Estados Unidos perderam a liderança ideológica do continente, apesar de manterem sua supremacia militar e sua centralidade econômica. Neste mesmo período, as forças conservadoras foram sendo desalojadas do poder, no Brasil e em quase toda a América do Sul. Mas apesar disto, durante algum tempo, ainda seguiram repetindo a sua ladainha ideológica neoliberal.

O golpe de morte veio depois, com e eleição de Barak Obama. O novo governo democrata deixou para trás o idealismo cosmopolita e o messianismo religioso dos dois governos anteriores, e assumiu uma posição realista e pragmática, em todo mundo. Seu objetivo tem sido em todos os casos, manter a presença global dos Estados Unidos, com políticas diferentes para cada região do mundo. Para a América do Sul sobrou muito pouco, quase nada, como estratégia e como referência doutrinária, apenas uma vaga empatia racial e um anti-populismo requentado. Como conseqüência, agora sim, nossos conservadores perderam a bússola. Ainda tentam seguir a pauta norte-americana, mas não está fácil, porque ela não é clara, não é moralista, nem é binária. Por isto, agora só lhes resta pensar com a própria cabeça para sobrevier politicamente. Mas isto não é fácil, toma tempo, e demanda um longo aprendizado.

*Publicado originalmente no jornal Valor Econômico

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

domingo, 29 de novembro de 2009

Quem quer, não deve temer, deve viver o amor

Tenho quarenta e oito anos e por volta dos vinte e poucos decidi que amor romântico não existia. Esta decisão foi fruto de uma série de leituras e reflexões, além de uma grande quantidade de frustrações afetivas.
Após conhecer a história das relações homem-mulher, da família e a evolução do Capitalismo compreendi que o amor romântico era uma criação artificial da sociedade. Entendamos. As sociedades primitivas eram matriarcais, ou seja, a mulher tinha o poder de organização da vida do grupo. Por causa disso eram grupos extremamente libertários, não amarrados a dogmas e as relações eram muito honestas. Com o advento do patriarcalismo, mais ou menos concomitante com o surgimento das primeiras cidades, desenvolveu-se o machismo, este excremento social. Os homens, exclusivistas, passaram a defender a idéia da monogamia(para as mulheres) e a inferioridade das mulheres, mandando-as para dentro da casa de onde não mais saíram nos milênios seguintes. Para reafirmar e consolidar suas teses sobre o papel secundário da mulher, os homens escreveram nos livros sagrados da maioria das religiões que esta era a vontade de Deus(Javé, Alah, Vishnu, etc). Diante da vontade do Supremo as mulheres se resignaram e aceitaram sua sina. Estavam marcadas pelo pecado original(EVA) e pela pecha de traidoras(DALILA). Mas as mulheres são seres absolutamente especiais por força de sua natureza e isto sempre assustou os homens. Por isto, durante a Idade Média era considerado normal bater na mulher como se vê no trecho abaixo: “No século XIV um texto do direito de Aardenburgo (cidade flamenga que seguia o costume de Bruges) é muito chocante no que diz respeito à condição das mulheres burguesas:’Um homem pode bater na sua mulher, cortá-la, rachá-la de alto a baixo e aquecer os pés no seu sangue; desde que, voltando a cosê-la, ela sobreviva; ele não comete nenhum malefício contra o Senhor.’”(Priscilla L. Coutinho e Ricardo da Costa). A Igreja Católica, em dado momento, percebeu que os homens atribuiam às mulheres poderes que somente Deus deveria ter. Por isto realizou um Concílio(Leptines, 744) com o intuito de definir que havia total igualdade entre os sexos. Obviamente isto não era uma atitude contrária ao machismo. A Igreja tentava reposicionar a mulher como um ser normal e não mágico, pois a maioria das pessoas acreditavam que ela era capaz de controlar as forças da natureza. No entanto, estas crenças continuaram por vários séculos. Tanto que, durante a Santa Inquisição, a Igreja se rendeu a estas idéias e resolveu mandar executar centenas de milhares de mulheres por suposta prática de bruxaria.
A estória que é considerada fundadora do ideal de amor romântico é a lenda de Tristão e Isolda, originária provavelmente do séc. XII, quando começava a se afirmar o chamado amor cortês nas camadas superiores da sociedade. Posteriormente, Romeu e Julieta, pelas mãos de Shakespeare, encarnaram mais uma vez o ideal do amor impossível, gerando uma infinidade de romances posteriores(a maioria remakes) sobre o assunto.
O Capitalismo soube se aproveitar bem disso quando, no século XIX, foi cunhada a idéia, com todo o apoio da religião, de que a família nuclear era o modelo de família ideal para a sociedade. Naquele período a Europa passava por um processo de urbanização acelerado e a pobreza era extrema para a maioria das pessoas. Por isso era comum que as famílias e seus agregados vivessem numa só residência. As casas eram pequenas, insalubres e abrigavam dez, vinte pessoas. A Igreja e o Estado passaram a defender que aquilo era imoral, que havia muita promiscuidade e que doenças se propagavam com facilidade(nesse ponto não estavam errados, embora o problema maior fosse a falta de saneamento e o reduzido espaço de moradia). Mas um dos objetivos ocultos nesse discurso era o interesse de isolar ao máximo as pessoas umas das outras, pois isto facilitaria a divisão dos trabalhadores. Naquele momento começava a nascer o sindicalismo e os trabalhadores aumentavam sua força através da união. Se todos fossem devidamente isolados, a organização trabalhista seria mais difícil. Por isto a família nuclear(pai, mãe e filhos) passou a ser considerada o modelo ideal pela sociedade.
Tendo acesso a todas estas informações, passei a considerar o amor romântico um grande blefe, uma invenção da sociedade, utilizada para domesticar as pessoas. Por isto passei uns quinze anos totalmente descrente neste tipo de amor. Casei-me três vezes neste período, mas tinha absoluta convicção de que não as amava. Gostava de passar meu tempo com elas, (cada uma a seu tempo, diga-se de passagem, pois sempre acreditei na monogamia) da rotina, do companheirismo e do sexo. No entanto, aos quarenta anos me vi envolvido com uma jovem mulher muito inteligente e crítica, por quem me apaixonei rápido e com quem decidi casar. Em pouco tempo percebi o quão grandioso era meu afeto por ela. Comecei a questionar meus valores e rever minhas concepções. Amar alguém incondicionalmente é aceitar aquela pessoa como ela é, com todas as suas idiosincrasias, todas as suas pequenas crueldades cotidianas, todas as suas impossibilidades. Isto não quer dizer que não devem haver embates, conflitos de idéias. O que não deve haver é intolerância e recusa peremptória em aceitar que o outro é diferente de você.
Vivi seis anos com esta mulher. Um sem-número de altos e baixos, inúmeras dificuldades em função de sua imaturidade. Eu sabia intelectual e instintivamente que todos os problemas pelos quais passávamos eram inevitavelmente fruto do encontro de duas mentes muito diferentes, inclusive em idade. Eram percalços necessários, possíveis de serem superados pois o amor suplantava tudo aquilo.
Em algum momento a paixão inicial cedeu, o que é normal, e instalou-se uma relação prazerosa, cheia de um cotidiano saboroso, de uma rotina agradável e eu sentia um enorme prazer em estar com ela. Talvez\ por isto eu não tivesse tido o olhar crítico necessário para ver que as coisas mudavam aos poucos. No final de 2007, eu não estava mais em seus planos. Subitamente, sem aviso prévio, sem chance de tentar reverter, fiquei sozinho. Hoje vejo que a vida com ela não era tão rósea quanto eu imaginava/fantasiava. Mas esse não é o tema deste post. Não se pode ter medo de viver um amor, pois os benefícios superam muito as dificuldades.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Da necessidade de o Brasil se tornar Grande

Marcio Azevedo

Há tempos foi aberta uma reflexão sobre a importância do Brasil na América Latina e no Mundo. Totalmente subjugado durante o governo Fernando Henrique, o país passou por uma mudança de estratégia no que diz respeito às relações internacionais no governo Lula. Com uma ação global proativa o país passou a requerer proeminência em uma série de foruns multilaterais de que participa. A formação do G-20 na OMC; a formação do G-4(Brasil, Japão Alemanha e Índia) para tentar modificar a estrutura do Conselho de Segurança da ONU; a formação do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) aprofundando os termos da cooperação Sul-Sul; o fortalecimento da imagem de Global Trader; a busca do fortalecimento do MERCOSUL; a UNASUL, entre outras iniciativas, são apenas alguns dos indicadores de que se gestou no governo uma política que visa dar protagonismo ao Brasil no mundo. Não há interesse do governo em manter o país como parte da periferia submetida do Capitalismo e do jogo geopolítico internacional.

No entanto, estavam faltando investimentos de peso por parte do governo brasileiro no que diz respeito ao campo da GEOESTRATÉGIA. Aqui o país até recentemente pecava por falta. É óbvio que não era recomendável utilizar parte importante do orçamento federal em gastos estratégicos de segurança, num primeiro momento. Porém, após a "arrumação da casa" feita no campo econômico e alguns avanços sólidos no campo social, chegou a hora de repensar a questão bélica, esta tão sensível área.

A rearrumação geopolítica que vem ocorrendo no mundo passa, necessariamente, pelo setor militar. A História tem mostrado nos últimos 700 anos que é no tabuleiro bélico que são jogados os rumos e os destinos de países e continentes. Não há como um país adquirir e preservar um papel de protagonismo no campo das relações internacionais, sem investimentos razoáveis em tecnologia bélica e armamento com poder intimidatório em boa proporção. E isto passa, sem dúvida, pelo reaparelhamento das forças armadas, pela compra de novos aviões de combate, pela compra de foguetes e mísseis, pelo investimento na indústria bélica nacional, pelo reforço do patrulhamento das águas oceânicas do país com a compra de novas fragatas e corvetas, novos submarinos, pela construção do submarino de propulsão nuclear e da retomada das atividades do porta-aviões São Paulo, pelo investimento maciço em inteligência militar e pela adoção de uma linha de conduta que mostre claramente que o país não se deixará intimidar em quaisquer circunstâncias. Isto é absolutamente possível sem criar atritos sérios com nenhum outro país, principalmente os Estados Unidos.

Nesse sentido a aprovação pelo Congresso Nacional em dezembro passado da Estratégia Nacional de Defesa (http://www.mar.mil.br/diversos/estrategia_defesa_nacional_portugues.pdf), um amplo conjunto de propostas e ações no campo militar visando a defesa do território nacional por terra, mar e ar, bem como definições quanto ao desenvolvimento de tecnologia de ponta neste setor, veio ao encontro dos anseios daqueles que que creem na construção do protagonismo global do Brasil e em sua capacidade de influenciar positivamente os destinos do mundo e contribuir para um reequilíbrio de forças num mundo em transformação.

É óbvio que ocorrerão inúmeras pressões, inclusive internas, mas a diplomacia brasileira deve estar preparada, instruída para trabalhar estas questões de forma a amenizar os temores que porventura surjam. Porém, agir de forma resoluta é algo absolutamente necessário se o Brasil não quiser voltar à condição de periferia humilhada no cenário internacional. E esta não é, definitivamente, a opção do governo atual.

Por fim, em algum momento, que deve ser cuidadosamente planejado, o país deve voltar a fazer investimentos em um programa nuclear capaz de alçá-lo ao seleto clube dos que possuem artefatos de destruição em massa. Condição tecnológica para isso há. A Constituição define que o Brasil não deve investir neste tipo de armamento. O governo FHC assinou em 1998 o TNP (Tratado de não proliferação de armas nucleares). Estes impedimentos são bastante concretos e difíceis de superar, mas não impossíveis.Não há a mínima dúvida de que quando este momento chegar (se chegar) o país sofrerá uma violentíssima pressão por parte de todas as potências econômicas e nucleares do planeta. A questão é: haverá cacife suficiente para suportar estas pressões? Se houver, após um período bastante difícil, melindroso, o país emergirá finalmente como um dos mais importantes do mundo sob todos os aspectos. Não poderá mais ser desconsiderado sob nenhuma circunstância. A outra opção é o desarmamento total, a destruição de todos os arsenais nucleares do planeta, reequilibrando o jogo. Sejamos honestos, só as crianças acreditam em contos de fadas.

Este é um caminho que o país poderá seguir nos próximos anos. Há outros mais leves, menos tortuosos, com menores níveis de tensionamento. Porém, se adotados, muito provavelmente não levarão o país a cumprir um papel de relevo em um mundo que precisa urgentemente de novos protagonistas.

domingo, 15 de novembro de 2009

Os tentáculos da China

Aproveito-me da viagem de Obama à Ásia para provocar algumas reflexões sobre o papel da China no presente e no futuro próximo.
A esta altura já está bem claro que o governo chinês tem pretensões de hegemonia política e econômica em várias regiões do mundo. É óbvio que a manutenção da expansão e do desenvolvimento econômico da China, já há algum tempo vem esbarrando em suas próprias deficiências no que diz respeito à posse de reservas minerais, vegetais e produção de alimentos. Parte significativa do país é desértica, o que dificulta a expansão da produção alimentar, o que significa que as importações continuarão a crescer muito nos próximos anos. Alguns recursos minerais apresentam-se gigantescos, pois o país é o primeiro produtor mundial de Carvão, estanho e tungstênio, além de possuir imensas reservas de ferro na Manchúria. Em termos de recursos vegetais o país já devastou tudo o que podia, necessitando desesperadamente preservar o que resta.
Portanto, para satisfazer as crescentes necessidades do seu parque industrial o país precisa importar imensa quantidade de matérias-primas de todos os tipos. E para garantir a estabilidade e a continuidade do fornecimento desses bens, é necessário que o país mantenha laços firmes e, de preferência, um elevado nível de atrelamento, com alguns países do mundo. Por causa disso a China vem estabelecendo nos últimos anos, sistemáticas e duradouras parcerias com países da sua periferia imediata na Ásia, países africanos e, mais recentemente, países da América Latina. No fim de semana passado realizou-se o segundo Fórum da Cooperação África-China, no Egito. O presidente chinês, Wen Jiabao, anunciou novos empréstimos na ordem de 10 bilhões de dólares (6,7 bilhões de euros) para a África, como também ajuda de 1 bilhão de dólares para empresas de pequeno e médio porte do continente. Desde meados dos anos 1990, a atuação da China na África aumentou constantemente. No ano passado, o comércio bilateral entre a China e aquele continente ultrapassou os 100 bilhões de dólares. Porém, este é apenas o cenário econômico.
No campo da geopolítica as práticas da China seguem o manual da realpolitik e o país tem utilizado a mesma estratégia utilizada pela falecida União Soviética e pelo combalido(apenas isso) Estados Unidos. Ou seja, o governo chinês tem buscado reforçar laços de cooperação e apoio amiúde a alguns governos autoritários espalhados pelo mundo. Pode-se citar o caso de Mianmar, da Coréia do Norte, do Zimbábue, do Vietnã e do Sudão. Isto inclui vendas de armas, apoio econômico e defesa de tais governos em organismos multilaterais como a ONU e seu Conselho de Segurança.
Os Estados Unidos, sabedores dessa estratégia, tem buscado de forma bastante tímida barrar estes avanços do gigante asiático. Entretanto, a dependência dos EUA em relação à China ocorre em dois campos pantanosos: produção industrial(e importações maciças) e dívida externa. A China detém atualmente a maior parcela dos títulos da dívida pública americana, o que tem sido de grande ajuda para a potência. Porém, não se pode negar também que, inversamente, há uma grande dependência da China em relação aos EUA pois ali está o maior mercado consumidor de produtos chineses do mundo.
Depreende-se então, que há uma espécie de simbiose entre os dois países e que isto vai bem longe. Não por acaso alguns analistas já começam a falar na hipótese de formação, num futuro próximo, de um G-2.

sábado, 14 de novembro de 2009

CLIMA: Um perigo tão real quanto sua solução

Maurice Strong

O rápido e inesperado desastre econômico, que começou nos Estados Unidos e se estendeu por todo o mundo, demonstrou que a globalização e a interdependência têm o dramático inconveniente dos riscos compartilhados e da vulnerabilidade. Isso mostra que devemos manejar essas crises cooperativamente, sobre uma base sistêmica e integrada, em lugar de fazê-lo de forma separada e frequentemente de maneira competitiva.

Alguns, entretanto, ainda afirmam que podemos enfrentar os riscos da mudança climática e reparar os danos da degradação ambiental somente após termos acertado a economia global. Isto é insensatez. Esperar para empreender ações contra a mudança climática, enquanto se tenta remendar provisoriamente o atual modelo econômico, só faria exacerbar as iminentes ameaças contra nossa civilização.

Será decisivo o papel da China nas negociações que acontecerão em dezembro, em Copenhague, entre os signatários da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Nessa conferência mundial, deverão ser assumidos compromissos vinculantes e exigíveis, com punições para quem descumpri-los. Devemos aprender com os muitos acordos que os governos se comprometeram a cumprir no passado, mas que raramente honraram. Se tivessem cumprido essas obrigações não estaríamos no estado atual de crise.

China e Índia agora são as principais fontes de aumento nas emissões globais de gases causadores do efeito estufa, e estão sob forte pressão para que aceitem metas específicas. Estas e outras nações em desenvolvimento insistem, com toda razão, em uma redução maior das emissões nos países industrializados, que são os principais responsáveis pelo acúmulo desses gases que levaram o clima mundial ao perigoso umbral em que se encontra. Isso deve estar acompanhado de compromissos para proporcionar ajuda em grande escala às nações em desenvolvimento, para permitir que reduzam suas emissões sem prejudicar seu crescimento econômico.

Um cenário otimista para Copenhague incluiria um acordo sobre um programa de segurança climática ou, pelo menos, os principais elementos de um plano desse tipo, combinados com o estabelecimento de um fundo para a segurança climática. Os países mais desenvolvidos entregariam recursos para esse fundo de maneira proporcional às suas emissões de dióxido de carbono e ao seu produto interno bruto (PIB). O fundo deveria contar, inicialmente, com pelo menos US$ 1 trilhão, quantia bem além da que as nações industrializadas estão dispostas a considerar.

É provável que esse montante seja considerado pouco realista, particularmente à luz da crise econômica global. Porém, é inferior ao custo que representam, apenas para os Estados Unidos, as guerras no Iraque e no Afeganistão. Tal nível de financiamento para o fundo exige inovadores recursos, como pagamento pelo uso dos bens comuns globais, como os oceanos, a atmosfera e o espaço exterior, que não estão sob jurisdições nacionais, bem como a aplicação de impostos aos combustíveis fósseis e a outras fontes de emissões, além da imposição de penalidades por descumprimento dos objetivos de redução das emissões.

Uma ajuda em grande escala aos países em desenvolvimento, acompanhada por amplos programas que lhes permitam obter créditos por sua capacidade de reduzir emissões a um custo menor do que muitas nações desenvolvidas, oferece a possibilidade de investimentos eficazes e economicamente vantajosos. Os investimentos que fizermos para conseguir a segurança climática gerarão novas oportunidades, tanto para as empresas como para os indivíduos que participarem do estabelecimento da nova economia. Assim, em suas origens, como em suas soluções, as crises ambiental e econômica estão intrinsecamente vinculadas.

A moralidade de nossa civilização merece um triste comentário quando se comprova que são destinados mais recursos para as atividades militares do que para atender as necessidades humanitárias e sociais e para proteger a viabilidade de nosso planeta. China e Estados Unidos em conjunto produzem aproximadamente 40% das emissões globais de gases estufa. Embora todas as nações devam cooperar para enfrentar o desafio da mudança climática, será essencial a cooperação desses dois países.

A China ultrapassou os Estados Unidos como principal fonte de emissões de carbono, mas ainda está muito abaixo em termos de contaminação por pessoa. Cada chinês produz, em média, apenas um quinto das emissões de cada norte-americano. Desde o começo da revolução industrial, os Estados Unidos geraram mais de 1,1 trilhão de toneladas de dióxido de carbono pela queima de combustíveis fósseis, enquanto a China produziu 300 bilhões de toneladas.

Somos a primeira geração na história que tem a capacidade e a responsabilidade de determinar o futuro da vida na Terra. Não podemos ser complacentes e acreditar que, façamos o que fizermos, a vida continuará. As condições que tornam possível a existência tal como a conhecemos permaneceram em um breve período da história de nosso planeta e dentro de limites muito estreitos. Resulta evidente que os seres humanos estão incidindo sobre esses limites a uma velocidade e uma escala que vão além de nossa capacidade de regulá-los. A humanidade está diante de um risco real e iminente. Por outro lado, as perspectivas de êxito para enfrentá-lo, apesar de desafiadoras, também são muito reais.

* Maurice Strong (http://www.mauricestrong.net/) foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 1972 e o primeiro diretor-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Boas vindas

Há alguns anos envio mensagens com textos atuais para um grupo de alunos que se renova periodicamente. São textos de minha autoria, matérias jornalísticas de outros autores e artigos de intelectuais. Recentemente decidi que valeria mais a pena e minhas mensagens alcançariam mais abrangência s fizesse isto através de um blog.
Pois ei-lo aqui, novinho e à disposição daqueles que estiverem interessados em se atualizar e refletir sobre o Brasil e o mundo.

Prof. Marcio Azevedo