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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sobre a velha (e crescente) intolerância religiosa

Esta semana as mídias destacaram dois fatos de profunda implicação social e política. E, estranhamente, o segundo fato veio a público após a divulgação e o início dos protestos em relação ao primeiro. Ainda assim, ainda que tenha sido algo orquestrado, seu caráter preocupante e sua prepotência explícita não perdem o valor. Aos fatos, então!

Na segunda feira, 20/02, soldados norte-americanos queimaram vários exemplares do Corão, livro sagrado dos islâmicos, na base de Bagram, no Afeganistão. De acordo com os jornais a queima aconteceu porque os militares quiseram “se livrar” dos exemplares do Alcorão pois eles eram usados para enviar mensagens entre um preso e outro. Para excluir esses bilhetes os americanos lançaram os livros no incinerador.

Na quinta feira, 23/02, a ONG "Christian Solidarity Worldwide" informou que o pastor cristão iraniano Yousef Nadarkhani foi condenado à morte por apostasia (afastamento definitivo e deliberado de alguma coisa, uma renúncia de sua anterior fé ou doutrinação) pelo governo de seu país. O governo do Irã não admite que um cidadão do país afaste-se da fé Islâmica e abrace outra doutrina religiosa. Por isto o pastor foi condenado à morte.

No rastro da divulgação da queima dos exemplares do Corão, tiveram início uma série de protestos no Afeganistão e em diversos outros países. Só no Afeganistão mais de 20 pessoas já morreram no curso das manifestações que, sabe-se, estão se radicalizando. Na quarta feira o presidente Barack Obama pediu perdão aos Islâmicos pela queima dos livros sagrados, afirmando que foi uma estupidez. Não adiantou. Os afegãos, muitos incitados pelos Talibans, continuam a queimar bandeiras dos EUA e fotos de seu presidente.

Embora pareça algo de pouco significado, o fato terá mais repercussões importantes. Em primeiro lugar, a Alemanha já definiu pela antecipação da retirada de seus soldados daquele país. Em segundo lugar, aumentará o ódio aos americanos no Afeganistão e nos países de maioria islâmica, como é o caso do Paquistão. Tudo isto tornará mais dificultosa e vexaminosa a saída dos soldados americanos do Afeganistão.

Mas há um outro viés nestes fatos que precisa ser melhor abordado. A questão da intolerância religiosa. Esta é uma das mais importantes reflexões que todos precisamos fazer nos próximos anos se quisermos minimizar os conflitos e agressões entre povos e religiões. Isto começou a ganhar mais robustez durante a década de 1990, mas foi na última década, em grande parte graças aos Estados Unidos e ao governo de George W. Bush, que as atitudes preconceituosas direcionadas às religiões mais cresceram. Em especial, o preconceito contra os islâmicos. Após o 11/09/01 os islâmicos passaram a ser perseguidos no mundo todo. Na Europa, a extrema direita tem utilizado a islamofobia como bandeira eleitoral e política. Inúmeros cidadãos islâmicos foram presos nos EUA apenas por praticarem tal religião. Esta semana mesmo foi divulgado na mídia que a prefeitura de Nova Iorque tem um programa secreto (não é mais!), conduzido pela polícia local, de vigilância e espionagem de todos os cidadãos islâmicos da cidade!!!

Então, quando soldados americanos ou pastores como Terry Jones queimam exemplares do Alcorão, sabem que estão seguindo as orientações espúrias de seu próprio governo. Na verdade não são atos isolados de “estúpidos”, de ignorantes. Isto faz parte de um movimento anti-islâmico bancado pelo Ocidente.

O problema é que a reação não se faz esperar. Os mais radicais entre os praticantes do Islamismo e de outras religiões, aproveitam-se da “onda” e passam a dar vazão com mais ênfase aos seus preconceitos mais recônditos. O pastor foi condenado à morte no Irã, atual “inimigo público número 1” do “mundo livre”, mas a Arábia Saudita também condena à morte por apostasia. Mas os sauditas são aliados do Ocidente, então não convém expor seus podres. Na Índia, quase toda semana ocorre algum tipo de matança entre Hindus e Islâmicos. De vez em quando grupos hindus invadem vilas de cristãos e os obrigam a “retornar” ao hinduísmo sob pena de morrerem se não o fizerem. Em diversos países africanos (Sudão, Nigéria, Mali, Costa do Marfim etc) há conflitos religiosos dos mais diversos. Seja entre islâmicos e cristãos, islâmicos e animistas ou cristão versus animistas. No Brasil, a crescente influência dos Neo-pentecostalistas (segmento do protestantismo, conhecidos genericamente por aqui como evangélicos) tem estimulado as ações preconceituosas e até agressões contra os praticantes de religiões de matriz africana.

O que se percebe, então, é que há uma escalada, uma ampliação em nossos dias, da velha prática da intolerância religiosa. O mundo precisa ser chamado à razão e tais práticas devem ser firmemente coibidas se não quisermos mergulhar em um novo período obscurantista. Na segunda metade do século XX a Igreja Católica finalmente se penitenciou dos seus erros do passado, das suas perseguições sistemáticas aos judeus, aos animistas e aos protestantes. Durante o período em que controlaram a Espanha, na Idade Média, os Islâmicos permitiam a livre manifestação religiosa de judeus e cristãos. Os primeiros colonos (protestantes) nos Estados Unidos fizeram um pacto de liberdade religiosa. Então, dá pra ver que a aceitação do outro e de sua fé diferente é possível. Mas só é possível quando se apela para a razão, quando as pessoas não se deixam levar pelo dogmatismo exacerbado.

Mas definitivamente não é este o caminho que a humanidade tem trilhado nos últimos anos. Por isto, é preciso dizer, as perspectivas quanto à questão religiosa, e todas as implicações que isto pode trazer, são bastante sombrias para os próximos anos, talvez décadas.

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