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domingo, 29 de novembro de 2009

Quem quer, não deve temer, deve viver o amor

Tenho quarenta e oito anos e por volta dos vinte e poucos decidi que amor romântico não existia. Esta decisão foi fruto de uma série de leituras e reflexões, além de uma grande quantidade de frustrações afetivas.
Após conhecer a história das relações homem-mulher, da família e a evolução do Capitalismo compreendi que o amor romântico era uma criação artificial da sociedade. Entendamos. As sociedades primitivas eram matriarcais, ou seja, a mulher tinha o poder de organização da vida do grupo. Por causa disso eram grupos extremamente libertários, não amarrados a dogmas e as relações eram muito honestas. Com o advento do patriarcalismo, mais ou menos concomitante com o surgimento das primeiras cidades, desenvolveu-se o machismo, este excremento social. Os homens, exclusivistas, passaram a defender a idéia da monogamia(para as mulheres) e a inferioridade das mulheres, mandando-as para dentro da casa de onde não mais saíram nos milênios seguintes. Para reafirmar e consolidar suas teses sobre o papel secundário da mulher, os homens escreveram nos livros sagrados da maioria das religiões que esta era a vontade de Deus(Javé, Alah, Vishnu, etc). Diante da vontade do Supremo as mulheres se resignaram e aceitaram sua sina. Estavam marcadas pelo pecado original(EVA) e pela pecha de traidoras(DALILA). Mas as mulheres são seres absolutamente especiais por força de sua natureza e isto sempre assustou os homens. Por isto, durante a Idade Média era considerado normal bater na mulher como se vê no trecho abaixo: “No século XIV um texto do direito de Aardenburgo (cidade flamenga que seguia o costume de Bruges) é muito chocante no que diz respeito à condição das mulheres burguesas:’Um homem pode bater na sua mulher, cortá-la, rachá-la de alto a baixo e aquecer os pés no seu sangue; desde que, voltando a cosê-la, ela sobreviva; ele não comete nenhum malefício contra o Senhor.’”(Priscilla L. Coutinho e Ricardo da Costa). A Igreja Católica, em dado momento, percebeu que os homens atribuiam às mulheres poderes que somente Deus deveria ter. Por isto realizou um Concílio(Leptines, 744) com o intuito de definir que havia total igualdade entre os sexos. Obviamente isto não era uma atitude contrária ao machismo. A Igreja tentava reposicionar a mulher como um ser normal e não mágico, pois a maioria das pessoas acreditavam que ela era capaz de controlar as forças da natureza. No entanto, estas crenças continuaram por vários séculos. Tanto que, durante a Santa Inquisição, a Igreja se rendeu a estas idéias e resolveu mandar executar centenas de milhares de mulheres por suposta prática de bruxaria.
A estória que é considerada fundadora do ideal de amor romântico é a lenda de Tristão e Isolda, originária provavelmente do séc. XII, quando começava a se afirmar o chamado amor cortês nas camadas superiores da sociedade. Posteriormente, Romeu e Julieta, pelas mãos de Shakespeare, encarnaram mais uma vez o ideal do amor impossível, gerando uma infinidade de romances posteriores(a maioria remakes) sobre o assunto.
O Capitalismo soube se aproveitar bem disso quando, no século XIX, foi cunhada a idéia, com todo o apoio da religião, de que a família nuclear era o modelo de família ideal para a sociedade. Naquele período a Europa passava por um processo de urbanização acelerado e a pobreza era extrema para a maioria das pessoas. Por isso era comum que as famílias e seus agregados vivessem numa só residência. As casas eram pequenas, insalubres e abrigavam dez, vinte pessoas. A Igreja e o Estado passaram a defender que aquilo era imoral, que havia muita promiscuidade e que doenças se propagavam com facilidade(nesse ponto não estavam errados, embora o problema maior fosse a falta de saneamento e o reduzido espaço de moradia). Mas um dos objetivos ocultos nesse discurso era o interesse de isolar ao máximo as pessoas umas das outras, pois isto facilitaria a divisão dos trabalhadores. Naquele momento começava a nascer o sindicalismo e os trabalhadores aumentavam sua força através da união. Se todos fossem devidamente isolados, a organização trabalhista seria mais difícil. Por isto a família nuclear(pai, mãe e filhos) passou a ser considerada o modelo ideal pela sociedade.
Tendo acesso a todas estas informações, passei a considerar o amor romântico um grande blefe, uma invenção da sociedade, utilizada para domesticar as pessoas. Por isto passei uns quinze anos totalmente descrente neste tipo de amor. Casei-me três vezes neste período, mas tinha absoluta convicção de que não as amava. Gostava de passar meu tempo com elas, (cada uma a seu tempo, diga-se de passagem, pois sempre acreditei na monogamia) da rotina, do companheirismo e do sexo. No entanto, aos quarenta anos me vi envolvido com uma jovem mulher muito inteligente e crítica, por quem me apaixonei rápido e com quem decidi casar. Em pouco tempo percebi o quão grandioso era meu afeto por ela. Comecei a questionar meus valores e rever minhas concepções. Amar alguém incondicionalmente é aceitar aquela pessoa como ela é, com todas as suas idiosincrasias, todas as suas pequenas crueldades cotidianas, todas as suas impossibilidades. Isto não quer dizer que não devem haver embates, conflitos de idéias. O que não deve haver é intolerância e recusa peremptória em aceitar que o outro é diferente de você.
Vivi seis anos com esta mulher. Um sem-número de altos e baixos, inúmeras dificuldades em função de sua imaturidade. Eu sabia intelectual e instintivamente que todos os problemas pelos quais passávamos eram inevitavelmente fruto do encontro de duas mentes muito diferentes, inclusive em idade. Eram percalços necessários, possíveis de serem superados pois o amor suplantava tudo aquilo.
Em algum momento a paixão inicial cedeu, o que é normal, e instalou-se uma relação prazerosa, cheia de um cotidiano saboroso, de uma rotina agradável e eu sentia um enorme prazer em estar com ela. Talvez\ por isto eu não tivesse tido o olhar crítico necessário para ver que as coisas mudavam aos poucos. No final de 2007, eu não estava mais em seus planos. Subitamente, sem aviso prévio, sem chance de tentar reverter, fiquei sozinho. Hoje vejo que a vida com ela não era tão rósea quanto eu imaginava/fantasiava. Mas esse não é o tema deste post. Não se pode ter medo de viver um amor, pois os benefícios superam muito as dificuldades.

9 comentários:

  1. Olá ,adorei o texto.
    Sei que é realmente possivél, eu tbm vivi um amor.
    Ao contrário de vc,eu nunca duvidei de sua existência,apesar de já ter nascido na época em que tds falam que o amor ñ existe,sempre acreditei no amor verdadeiro.Acredito que vivemos a mesma coisa. Apenas o que nos difere ,ñ sei se foi sorte ou azar,é o fato que eu o encontrei com 20 anos.E devido a minha idade muitos afirmam que o que eu vivi foi apenas uma apaixonite,mas de coração eu ñ ligo p/ o que falam ,pois eu tenho a certeza que eu o amei incondicionalmente.Minha única dúvida hj é :será que só amamos uma vez na vida?Se for, vou viver o resto dos meus dias com a saudade e a certeza que vale muito a pena viver,pois a felicidade de amar é infinitamente maior,do que qualquer sofrimneto que esse sentimento lhe cause.

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  2. Absolutamente maravilhoso e inspirador seu texto Marcinho. É um ganho de fôlego numa maratona que é nossa jornada neste plano, não é mesmo!? Adoro conversar com você e conferir como nossas opiniões e ideias divergem. Sentirei falta da convivencia em sala de aula, porém guardarei no coração as boas lembranças que ficam dos tempos do CAP. Boa noite Marcinho, beijoos =D

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  3. Belo texto Marcio!
    É bom saber que no peito dos intelectuais também bate um coração...
    um grande abraço!
    sentirei falta das suas aulas!
    Fábio H.

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  4. Texto magnífico!
    Eu também já cheguei a pensar que o amor era meio fictício, já que hoje tornou-se "modinha" a banalização do amor, com a ascenção do divórcio. Contudo, eu concordo plenamente com o senhor, pois o amor verdadeiro é possível sim, e jamais será um sentimento banal; só será cada vez mais difícil senti-lo, caso os valores da sociedade contemporânea continuem a se deteriorar progressivamente, mas impossível o amor nunca vai ser.

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  5. que lindo, juro que me emocionei :')
    (alguem tinha que comentar isso, risos)

    o legal é que você consegue escrever maravilhosamente bem até de amor. não sabia que meu professor era assim .. romântico!

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  6. Ah, como inspira alguém de 19 anos, acostumada com a descrença do amor, através de seus livros e filmes que o banalizam, pisam e chutam. Vangloreiam apenas o sexo. É sensacional ver alguém mais maduro que estende a mão em um texto e diz "confia, vivi um bocado e te digo que o amor existe sim".
    Obrigada, Márcio!
    (ex-aluna da Desafio no Equipe) :*

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  7. Acho que o amor existe, mas é um sentimento que poucos compreendem e que menos ainda conseguem viver. Amor é plenitude, confiança, certeza; amor é entrega, mas acho que todos esses elementos estão em falta em nossas vidas, ou melhor falo por mim; não acredito que se possa viver um grande amor se você já passou por tantas decepções que o seu coração não agüenta mais acreditar que ainda possa haver esperança. Se você já se entregou e traíram a sua confiança. Como você pode ter certeza de que não vão fazer de novo, como viver e se entregar novamente a um sentimento que já te fez sofrer tanto, o melhor é seguir e não mais crer que isto irá acontecer, ou melhor não deixar acontecer.
    Citando Clarice:
    "Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que pensava que era amor."

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  8. você é muito claro e verdadeiro no que diz e passou toda a emoção que sentiu pro texto,eu me surpreendo a cada dia com você.Foi um prazer enorme assistir as suas aulas no pré-vestibular do equipe eu aprendi muito mais que geografia.É bom saber que os intelectuais também amam (risos).
    um grande abraço

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  9. Mais um texto genial, reúne perfeitamente razão e emoção. Embora haja quem acredite que as duas se excluem, acredito que se complementam. Independente das possíveis e, às vezes, inevitáveis decepções, o amor só se revela existente quando verdadeiro. Sou suspeita para falar porque acredito cegamente no amor!

    Débora Ribeiro

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