Total de visualizações de página

domingo, 21 de março de 2010

O povo esquecido - A situação do Saara Ocidental

Marcio Azevedo


A Carta das Nações Unidas, de 1945, ratificada pelo artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos humanos, de 1948, consolidou no âmbito do Direito Internacional público o respeito ao princípio da igualdade de direitos e autodeterminação dos povos. Ao longo das últimas seis décadas a ação da ONU pautou-se pela defesa, na maioria das vezes retórica, deste princípio. Algumas práticas daquele organismo no que diz respeito ao tema devem ser ressaltadas. Por exemplo, o povo palestino tem representação na ONU, assim como os timorenses antes da independência também possuíam. Tendo em conta este princípio a ONU apoiou explicitamente a luta do povo da Namíbia por sua independência em relação à África do Sul (que ocorreu em 1990); deu apoio à independência da Eritréia em relação à Etiópia (que ocorreu em 1993); e, entre outras ações, deu apoio irrestrito à luta pela independência do já citado Timor Leste em relação à Indonésia (ocorrida em 2002).

Entre as muitas histórias trágicas de povos que vem lutando incessantemente por seu direito à autodeterminação e à soberania sobre seu território na atualidade, devemos obviamente lembrar dos palestinos, dos curdos, dos chechenos, dos tâmeis, entre muitos outros. Contudo há um povo que costuma ser esquecido não só pela mídia, mas também pela maioria dos organismos internacionais. Este povo vive em condições absurdamente injustas e de pobreza extrema para a maioria. Trata-se do povo saarauí.

O povo saarauí ocupa historicamente uma região na parte noroeste do continente africano, voltada para o oceano atlântico, entre 20° e 28° latitude Norte e 12° e 18° longitude Oeste aproximadamente, fazendo fronteira terrestre com Marrocos, Argélia e Mauritânia. O nome do território é SAARA OCIDENTAL, sendo considerada a última colônia da África.

Em 1975, após longo período de resistência do povo saarauí, a Espanha abandonou a sua antiga colônia, deixou para trás um país sem quaisquer infra-estruturas, com uma população completamente analfabeta e desprovida de tudo. Com apoio explícito do governo espanhol a Mauritânia (que assenhora-se de 1/3 do território, ao Sul) e o Marrocos (que fica com o restante), invocando direitos históricos, invadiram o território. Seguiu-se uma luta sem quartel em que o exército saarauí denominado Frente Polisário (acrônimo de Frente Popular de Libertação de Saguía el Hamra e Rio d’Ouro), apoiado pela Argélia, acuou o exército da Mauritânia -que acabou por desistir da reivindicação em 1979-, e conseguiu libertar a parte oriental do território. O exército marroquino, para proteger seus interesses, construiu um imenso muro de concreto, separando o leste da parte centro ocidental do país e mantém sob seu controle esta região até hoje. O interesse do Marrocos no território segundo o IEEI, Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, “reside no facto deste constituir um dos maiores depósitos mundiais de fosfato, possuir consideráveis recursos piscatórios da costa marítima e (potencialmente) em termos de reservas de gás e petróleo.” Além disso, acredita-se que exista muito urânio, cobre e ferro na região.

Desde a década de 70 a ONU vem buscando um acordo que promova a paz na região e garanta a independência do Saara Ocidental. Uma das causas mais importantes da não obtenção de um acordo de paz é o total descaso das potências quanto à situação do povo saarauí. Os refugiados vivem em casebres de taipa, em casas de material mais resistente e em barracas, e submetidos a condições de vida extremamente difíceis - um calor tórrido no verão, um frio glacial no inverno e tempestades de areia. Dependem inteiramente da ajuda internacional e se consideram os esquecidos da terra.

Em 1991 uma missão da ONU impôs um cessar-fogo na região e acordou um referendo sobre seu destino político. O Marrocos aceitou, mas simplesmente não se mobilizou para a realização do referendo que ocorreria em 1993. Em 2003, o enviado especial da ONU para o território, James Baker, apresentou o Plano Baker, conhecido como Baker II, que daria imediata autonomia à Autoridade do Saara Ocidental durante um período transitório de cinco anos para se preparar para um referendo, oferecendo aos habitantes do território a possibilidade de escolher entre a independência, a autonomia no seio do Reino de Marrocos, ou a completa integração com Marrocos. A Frente Polisário aceitou o plano, mas Marrocos rejeitou-o.

O Saara Ocidental é governado do exílio pelo presidente Mohamed Abdelaziz, adotou o nome oficial de República Árabe Saarauí Democrática (RASD) e participa como membro efetivo da União Africana. As negociações prosseguem até hoje sem sucesso. Tanto a Espanha como a França mantém apoio ao Marrocos, dificultando a independência total do Saara Ocidental. Além das questões econômicas, há aspectos mais complicados. O Marrocos é um fiel aliado das potências ocidentais, além de estar localizado em uma região estratégica (na entrada do mar Mediterrâneo). E os Estados Unidos, embasados em sua estratégia de “Guerra ao Terror”, temem que o Saara Ocidental, independente, transforme-se em base para treinamento de militantes da Jihad islâmica (guerra santa).

Em 2007 o Marrocos e a Frente Polisário reiniciaram negociações mediadas pela ONU, mais uma vez sem sucesso. Esta semana a ONU anunciou mais uma vez que há chances reais de se chegar a um acordo e que o Marrocos estaria disposto a encontrar uma solução para o impasse. A despeito disso tudo o povo saarauí continua a viver sob condições ultra-difíceis e as soluções para sua situação ainda não chegaram após 35 anos de luta e espera.

Veja no mapa abaixo a situação do Saara Ocidental:


Em vermelho a parte ocupada pelo Marrocos; em
verde a parte ocupada pela Frente Polisário (RASD)

3 comentários:

  1. Por que a questão desse povo não é tão divulgada quanto das outras minorias? Não é interessante pra elite que todos fiquem sabendo dos interesses desse povo?

    ResponderExcluir